sábado, 31 de dezembro de 2011

Feliz Ano-Novo!!

Feliz ano-novo aos que praguejam sobre o solo árido de suas vidas sem garimpar alegrias, e aos que amarram o espírito em teias de aranha sem se dar conta de que os dias tecem destinos. Também aos que desaprenderam o sorriso e abandonaram ao olvido a criança que neles residia.

Feliz ano-novo aos que perambulam às margens da memória e semeiam ódio no quintal da amargura; guardam dinheiro na barriga da alma e penhoram a felicidade em troca de ambições; são náufragos de lágrimas, cegos aos arquipélagos da esperança, e fantasiam de asas as suas garras, voejando em torno do próprio ego.

Feliz ano-novo aos que sonegam carinho e ainda cobram atenção, alpinistas da prepotência que os conduz ao abismo; àqueles que, alheios ao que passa me volta, ilham-se na indiferença enquanto o mar arde em fogo; e a quem gasta saliva tentando se justificar por se disfarçar em pomba e agir como raposa.

Feliz ano-novo aos que escondem o sol no armário sopram a luz das estrelas e põem espessas cortinas no limiar do horizonte. Aos que nunca tiveram tempo para a dança, ignoram por que os pássaros cantam e jamais escutaram um rumor de anjos.

Feliz ano-novo aos que bordam iras com agulhas afiadas e desperdiçam palavras no furor de suas emoções desabridas; seqüestram dignidade e, como os colecionadores de borboletas, sentem prazer em espetá-las no interior de cavernas obscuras.

Feliz ano-novo aos faquires da angústia e aos que, equilibrados num fio de sal, trafegam por cima de montanhas de açúcar.

Também aos que jamais dobraram os joelhos em reverência aos céus e acreditam que a história do Universo tem início e fim neles.

Feliz ano-novo às mulheres que destilam antigos amores em cápsulas de veneno e aos homens que, ao partir, mostram, às costas, a face diabólica que traziam mascarada sob juras de amor.

Feliz ano-novo aos jovens enfermos de velhice precoce e aos velhos que, travestidos de adolescentes, bailam aos desafinados acordes do ridículo. E aos que atravessam o tempo sem se livrar de bagagens inúteis e ainda sonham em ingressar numa nova era sem tornar carne o coração de pedra.

Feliz ano-novo aos que já não sabem conjugar os verbos no plural; agendam sentimentos e estão sempre atrasados na vida; mendigam admiração e prostituem-se diante da sedução do poder.

Feliz ano-novo àqueles que dão “mau-dia” ao acordar,afogam em trevas interiores a alegria que lhes resta,encaram a vida como madrasta de história infantil. E aos que julgam que laços de família se cortam com a ponta afiada da língua e ignoram que o sangue escreve letras indeléveis.

Feliz ano-novo aos que se apegam ao poder como a fuligem ao lixo, infantilizados pelas mesuras, prenhes de mentiras ao agrado do ouvido alheio, solícitos às providências que assassinam a ética. Sejam também felizes os que tentam corromper os filhos com agrados materiais e nunca dispõem de tempo para olhá-los nos olhos do coração.

Feliz ano-novo aos navegadores cibernéticos, mariposas de noções fragmentadas, amantes virtuais que se entregam, afoitos, ao onanismo eletrônico digitando a própria solidão.

Feliz ano-novo aos poetas que não sabem tragar emoções e engolem com ira palavras que trariam vida ao mundo. E aos que abominam a arte por desconhecerem que o ser humano é modelado em barro e sopro.

Feliz ano-novo a todos que temem a felicidade ou consideram, equivocadamente, que ela resulta da soma dos prazeres. E aos que enchem a boca de princípios e se retraem, horrorizados, diante do semelhante que lhe é diferente.

Feliz ano-novo às mulheres que se embelezam por fora e colecionam vampiros e escorpiões nos lúgubres porões do espírito. E aos homens que malham o corpo enquanto definha a inteligência, transgênicos prometeus acorrentados ao feixe dos próprios músculos.

Feliz ano-novo a todos os infelizes, aos que são e aos que se julgam cegos às infinitas possibilidades da luz e das rotas. Sejam todos agraciados pela embriaguez da alegria divina, abertos ao Deus que os habita e ao amor que, como um rio cristalino,jamais nega água a quem se ajoelha,reverencia o milagre da vida e aprende a beber do próprio poço.



Frei Betto é escritor, autor do romance “Entre todos os homens” (Ática) entre outros livros





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